sexta-feira, novembro 26, 2010

Naquela mesa

Não podia faltar tender. A bolinha saía do forno e preenchia a casa toda com aquele cheiro salgado. Ia direto para a mesa depois de fatiado bem fininho. Não ficava no centro da mesa. Ficava ali, perto das nozes e daquilo que parece uma barata e que eu nunca lembro o nome.

Não importava muito o que faltasse ainda à mesa. Estando ele lá, considerava-se, oficialmente, aberto o único período de come-come coletivo e indiscriminado do ano. Cada um passava pela mesa e bicava aquilo que lhe agradasse. Não por gula, mas pelo simples fato de poder começar a fazer parte do ritual.

As crianças brincariam até tarde – ou até quebrarem todos os brinquedos novos: isso também era parte do ritual.

Os parentes começariam a brigar por sei lá que motivo. Alguém tinha que gritar, outro tinha que ofender alguém e, com certeza, alguém precisava chorar: isso era fun-da-men-tal.

Ele não. Não queria participar de ritual tão importante desse jeito furtivo. Não...

Ele se dirigia à mesa e buscava, estrategicamente, a cadeira melhor posicionada. Sempre perto da bolinha já fatiada. Não era necessário prato. Bastava um garfo, já que odiava engordurar as pontas dos dedos.

Fazia do momento seu próprio ritual.

Puxava para perto as nozes, que passava a noite toda quebrando com as próprias mãos. Era uma forma máscula de mostrar que aquilo era para ele uma diversão. Quem nunca tinha visto, sempre comentava, nossa, que forte, para desgosto da mulher que ouvia da cozinha...

O peru – ou, dependendo da economia externa e da alta do dólar no ano, o chester – ficava posicionado no centro da mesa. Não importava quantas pessoas tinham para comer. Ele não se preocupava: a coxa direita era sempre sua. Aquele coxão vinha parar num prato com bastante salpicão e farofa, como se a saladinha e um pouco de farinha com manteiga fizesse diferença. A coxa já era sua.

Depois, atacava os bolinhos de bacalhau, preparados, cuidadosamente, pela sogra. Era batata a dar com pau. Bacalhau sempre do bom e do melhor. Aqueles pedaços grandes, a cebola bem cortadinha e, claro, salsinha bem picadinha. Isso sim lhe fazia feliz. Essa mistura depois de enrolada e frita o prendia à mesa até o último farelinho bem engordurado. Só aí ele poderia se desgrudar da cadeira.

Todos iam dormir cedo, já que tinham passado quase o dia todo em uma corrida contra o tempo para que tudo estivesse perfeito antes da meia noite. Ele não. Resistia bravamente. Ficava ali, aproveitando aquele momento durante todo o tempo que o volume de seu estômago permitisse – e, diga-se de passagem, isso demorava um bocado.

No dia seguinte, o café da manhã era servido na mesma mesa e lá estava ele, para um segundo round. Só que agora, devorava as rabanadas. Essas eram, propositadamente, postergadas para a manhã seguinte, já que ele as preferia frias e borrachudas.

Depois da última rabanada, considerava-se, temporariamente, encerrado o ritual. Uma semana depois, tudo se repetiria e a mesa estaria, novamente, rodeada.

Hoje... Bem, hoje naquela mesa, tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim.

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