domingo, maio 01, 2011

ao bisavô com carinho

Botava logo seus óculos de sol cor-de-rosa, sainha rodada e pedia ajuda a quem quer que estivesse perto para amarrar as orelhinhas de coelho no sapato.

Penteava rapidamente o cabelinho cuia e já começava a contar os segundos que faltavam para o momento tão esperado: ir ao açougue era mais que sensacional.

Podia perceber o cuidado que ele tinha ao manusear o pedaço de alcatra, mesmo diante da violência com que a carne era arremessada contra a bancada. Esse barulho era fascinante...

E o barulho da faca no amolador? Som inexplicável. Colava o nariz no vidro gelado e tentava observar o mágico espetáculo por entre os pedaços enormes de carne pendurados em exposição.

Ficava implorando por almôndegas, só para assistir a voracidade do moedor de carne - e olha que nem gostava tanto assim da ideia de pedaços de carne boiando no molho borbulhante.

Prestava muita atenção ao movimento das mãos manuseando o papel que embrulhava os pedaços de picanha. Ia pra casa e treinava vendendo meias para o churrasco de bonecas.

O avental branco todo respingado de sangue não lhe assustava. Pelo contrário: respeitava-o. Lembrava das histórias do bisa que contavam. O cheiro de sangue também não lhe incomodava. Talvez estivesse impregnado em seu dna, quem sabe?

Só uma coisa atrapalhava esse momento: o zumbido da mosca. Na visita ao açougueiro tem sempre uma mosca atrapalhando.

Aprendeu mais tarde que na vida tem sempre uma mosca na sopa... mas aí é só comer carne sempre.

Nunca falha.

4 comentários:

Letícia disse...

Sensacional!
Rebecca, você me fez chorar. Estou realmente emocionada...
Eu não te contei tudo isso, mas eu era exatamente assim.
Obrigada!

Maiara disse...

Amei!

*villagrán disse...

Lele, eu demorei dois meses para escrever esse seu conto... eu queria que ele descrevesse exatamente esse seu momento. Que bom que consegui!

Bia Prado disse...

maravilhosoosoosooso!!!
orgulho!!!
bj