quarta-feira, janeiro 13, 2010

os elefantes nunca esquecem

Era o barulho da casca quebrando.

Aquele craquelhar interminável... Incômodo era a palavra. Todo o restante se aturava.

Desejava que ele sufocasse com um daqueles... À medida que ia devorando o pacotinho, ele poderia... zás! Já poderia imaginar aquele amendoim descendo pela goela abaixo, sendo aspirado sempre um pouco mais, agarrando-se às paredes como uma criança que se agarra aos seios da mãe.

Cada um dos minúsculos grãos de sal arranhando e fazendo torturar aquele que agora a torturava.

Lentamente, as pequenas partes da casca se desfazendo pelo caminho, provocando uma regurgitação – que não aconteceria – e fustigando-o sempre um pouco mais.

Levaria as mãos ao pescoço. Não saberia exatamente por que motivo: se para, transpassando a pele, conseguir alcançar aquela hostilidade em forma de salgadinho, ou se para apertar ainda mais o pescoço e, estrangulando-se – se é que o conseguiria – talvez abreviar a dor.

Pouco a pouco, o oxigênio, mais tímido e solitário em seus pulmões, fazendo-o sufocar e tornando cada segundo um tanto mais eterno que o anterior.

Os lábios, já azulados, tentariam sugar o ar que já não mais serviria para nada, a não ser gastar o pouco de energia que ainda lhe restava.

Já não mais veria como livrar-se da dor – que o faria agora revirar os olhos – e da inconsciência que, a essa altura, mostraria estar próxima.

As unhas arranhariam seu pescoço e esfolariam sua pele, tentando aproximar-se um pouco mais daquilo que o sufocava. Dali, partiriam para o peito, onde, cada vez mais arroxeadas, permaneceriam cravadas até o momento em que, inconsientemente, suas mãos passariam a golpeá-lo num ritmo cada vez um tanto mais intenso.

Por último, suas mãos buscariam os cabelos – não como alternativa para solucionar a situação... Enrolaria-os entre os dedos e arrancaria, provando possuir uma parte de si sob seu controle.

Sentiria como se seu pulmão se enchesse de água e o afogamento fosse inevitável.

Talvez, numa última tentativa de manter o controle, abandonaria qualquer ação para tentar recuperar o fôlego. Aceitaria o destino assim como cada uma de suas células do corpo.

E, então... o pacotinho acaba.

O que diziam? Não importa.
Aquele sussussurro não seria sua inspiração.


segunda-feira, janeiro 11, 2010

esse moço

Poucos anos, pouco dinheiro, trabalho duro.
Macacão sujo de graxa e joelhos fracos.

Nome de artista e de fruta. Lima. Lima Duarte. Pronunciava esse nome como um Bond qualquer faria reconhecer sua própria identidade. A mãe, quando ele nascera, achava que, se assim fosse batizado, teria sucesso como o conterrâneo teve. Estava certa ou errada?

Nem certa nem errada. Tampouco precisaria algum dia fazer sentido. Era como um sinal, uma cicatriz, e levaria na carteira como se levasse estampado na pele. Não realmente faria diferença, mas quem sabe?! Poderia acabar provocando alguma reação... seja nos outros, seja nele mesmo.

Tinha poucos amigos. Poucos ou nenhum. Mas não pensava-lhe fazer falta. Imaginava que, quanto menos, ainda menos importância daria quando – e se – lhe faltasse... De fato, não era isso, mas achava mais prudente o engano. Enganar-se era acreditar que ninguém poderia ser mais importante do que ele mesmo era.

Também por isso, não queria mulheres. Achava-as tolas e dispendiosas. Estar sozinho já lhe bastava como fardo. Carregar outro apêndice – que teimaria em sempre consumir sua energia – poderia fazê-lo-se sentir mais fraco do que realmente era – e fraqueza era algo que sempre preferiu passar adiante. Eventualmente, conhecia alguém interessante. Mas se fazia de rogado. Supérfluo – fora a última palavra aprendida e sempre cabia para explicar a escolha.

Até aquela manhã.

Estava martelando algo. A ferrugem escapava e, dentro em breve, lhe faria lacrimejar os olhos. Suava como a cerveja que, à noite, fingiria levar o seu cansaço.

Um algo supérfluo passou ao seu lado e fingiu não vê-lo. Carregava uma xícara de café que – poderia ele jurar – parecia estar lhe queimando os dedos... dedinhos. Seguravam pelas pontinhas a alça e, mesmo assim, pareciam não resistir ao calor. Que mãos... Tão frágeis, tão delicadas. Mas só as mãos. Ou talvez o queixo também. Mas era só isso. Nada mais demonstrava fragilidade. Todo o resto era de uma sutil brutalidade que nao lhe cabia nas mãos.

Queria-lhe perguntar o nome. Só o nome.
Ah!... E tocar-lhe as mãos. Isso bastaria.

Ali não era o lugar daquela dona. Ninguém saberia, ninguém a teria visto passar. Também ninguém entenderia se perguntasse. Teria que chegar até ela. Tinha decidido. O faria assim que aquelas mãos novamente passassem por aquelas bandas.

Foi oportunidade que não teve. Viu-a somente de longe. Muito longe. Num impulso, levou os dois dedos indicadores à boca. Assim mesmo: encardidos de ferrugem e desespero. Assobiou. Forte. Alto. Enfrentou a possibilidade de não ser ouvido ou de, pior, não ser (cor)respondido. Repetiu por mais um par de vezes. Até que finalmente ouviu a resposta – se é que aquilo poderia-se configurar como resposta. Fraca. Baixinho.

Naquela noite, ele planejaria o futuro.
Nunca mais a viu.

Ela tentaria entender o que houve.
Nunca entendeu.

sexta-feira, janeiro 08, 2010

festa da cumeeira

Olhou para o longe e primeiro viu o suor. Escorria pelo rosto e, lentamente, caía pelos ombros. Por vezes, a mão interrompia o percurso daquela gota quente. Ou a boca, que sorvia aquele líquido salgado como se fosse o café doce que costumava beber quando se sentia distante. Cada gota reluzia pela claridade do sol como se soubesse que em breve explodiria em milhares de gotículas, certamente imperceptíveis àquela distância. Procurava descrever mentalmente o trajeto de cada uma delas, como para gravar aquele percurso que – sabia – iria querer se lembrar depois.

Não via mais nada.
Não queria ver mais nada.

Faria uma festa, ao sol.
Precisava confundir o trajeto daquele suor com o seu.