Botava logo seus óculos de sol cor-de-rosa, sainha rodada e pedia ajuda a quem quer que estivesse perto para amarrar as orelhinhas de coelho no sapato.
Penteava rapidamente o cabelinho cuia e já começava a contar os segundos que faltavam para o momento tão esperado: ir ao açougue era mais que sensacional.
Podia perceber o cuidado que ele tinha ao manusear o pedaço de alcatra, mesmo diante da violência com que a carne era arremessada contra a bancada. Esse barulho era fascinante...
E o barulho da faca no amolador? Som inexplicável. Colava o nariz no vidro gelado e tentava observar o mágico espetáculo por entre os pedaços enormes de carne pendurados em exposição.
Ficava implorando por almôndegas, só para assistir a voracidade do moedor de carne - e olha que nem gostava tanto assim da ideia de pedaços de carne boiando no molho borbulhante.
Prestava muita atenção ao movimento das mãos manuseando o papel que embrulhava os pedaços de picanha. Ia pra casa e treinava vendendo meias para o churrasco de bonecas.
O avental branco todo respingado de sangue não lhe assustava. Pelo contrário: respeitava-o. Lembrava das histórias do bisa que contavam. O cheiro de sangue também não lhe incomodava. Talvez estivesse impregnado em seu dna, quem sabe?
Só uma coisa atrapalhava esse momento: o zumbido da mosca. Na visita ao açougueiro tem sempre uma mosca atrapalhando.
Aprendeu mais tarde que na vida tem sempre uma mosca na sopa... mas aí é só comer carne sempre.
Nunca falha.
o pensamento me protege?
Há 12 anos