Ele entrou pela janela do ônibus. A última, lá de trás.
Ficou preso pela cintura e não conseguia, por mais que se esforçasse, entrar ou sair.
Depois de muito disse-que-disse, chora-não-chora, venta-não-venta, cai-não-cai...
Veio o fortão de regata e tentou desobstruir a janela. Veio a velha e tentou mobilizar a todos com a histeria particular da velhicidade. Veio o trocador e tentou fazer a velha parar de encher. Veio a barraqueira e tentou parar o ônibus na próxima delegacia. Veio o motorista e tentou se livrar do problema.
Mas ninguém aqui vai querer problema...
Tentaram puxar para dentro. Tentaram empurrar para fora.
A senhora resolveu mudar de lugar e tirar um cochilo agarrada à bolsa.
Duas mulheres – uma com o filhote a tira colo e a outra ruminando um pacote de pipoca doce – também resolveram se afastar do qui pro quo.
Atrapalhando a conversa...
O terno um pouco atrás preferiu não arriscar o vinco do tecido com uma confusão tão simplória. Desceu do ônibus e pegou um amarelinho.
Táxi!
Um outro dormia um pouco atrás.
Outro, tentava não roubar, não matar e, humildemente, atrapalhar a bagunça da viagem para distribuir paçocas aos presentes.
Se o cara não estivesse tão preocupado tentando se soltar, tentaria vender para ele também.
Um policial foi chamado – depois que o trocador desistiu da empreitada inicial. Mas não poderia fazer muita coisa, pois preocupava-se um tanto mais com as paçocas que não deviam estar ali.
Ele só esperneava. So tentava um pouco mais se soltar. Tentava respirar ao mesmo tempo que gritava por socorro, xingava a velha e tentava não cair.
O motorista, para não chegar atrasado no ponto final, pisou no acelerador como se ignorasse a existência de um apêndice humano na janela do seu carango.
Passaram pela segunda lombada e quase conseguiu se soltar.
Passou pela primeira curva e conseguiu se segurar.
Passou pelo primeiro sinal vermelho e a freada o fez cair.
Ficou ali, junto ao meio fio por alguns minutos. Ônibus parado, sinal fechado.
Ria como nunca havia rido. Gargalhava. Tinha se machucado, mas, o que importa? Era livre de novo. Nunca mais pegaria ônibus. Nunca mais sairia do nível do chão.
Nunca mais.
O ciclista entregador de flores não viu.
Cérebro e pétalas por todo lado.
o pensamento me protege?
Há 12 anos